Do conteúdo ao contencioso: Implicações Legais da Produção de Mídia por funcionários

A prática de utilizar funcionários para produzir conteúdo em redes sociais, embora traga engajamento e visibilidade imediata, acarreta riscos jurídicos substanciais à empresa.

Além dos objetivos mercadológicos, é fundamental avaliar como essas postagens podem gerar prejuízos passíveis de responsabilização em diversas esferas do Direito, expondo a organização a ações trabalhistas, civis, administrativas e, em casos extremos, até criminais.

Dentre os riscos existentes, a caracterização de desvio de função é o primeiro ponto de atenção, tendo em vista que ao deslocar o empregado de suas atribuições originais para roteirizar, gravar ou editar conteúdo, a empresa altera unilateralmente o contrato de trabalho, abrindo espaço para reclamações de equiparação salarial, diferenças remuneratórias e reflexos em férias, 13º salário e FGTS. Não raro, as empresas também deixam de registrar o tempo dedicado a essas atividades — ou o colaborador produz fora do expediente habitual — o que enseja pagamento de horas extras e multas administrativas por falha no controle de jornada.

Por sua vez, no campo dos direitos de personalidade, a publicação da imagem do colaborador exige cessão expressa e escrita, caso contrário configura-se uso indevido de imagem, com base no art. 5º, X, da CF/88 e art. 20 do CC, sujeitando a empresa a indenizações por danos morais. Evidencia-se, ainda, que quando o próprio funcionário é autor intelectual do conteúdo — redigindo roteiros, capturando e editando imagens — a obra passa a ser protegida pela Lei 9.610/1998, exigindo termo de cessão dos direitos patrimoniais para exploração comercial e evitando disputas judiciais sobre royalties.

Além disso, postagens que envolvam críticas ou comentários referentes a concorrentes, fornecedores ou mesmo a políticas internas podem gerar responsabilidade civil subsidiária da empresa, nos termos do art. 932, III, do CC, caso se configure ato ilícito ou dano à reputação de terceiros. Diante disso, caso o perfil não seja destinado somente à divulgação do empreendimento, a diversidade de conteúdos postados na página pode desencadear prejuízos à empresa, tendo em vista que, apesar de não ser uma página oficial do local, a imagem do colaborador passa a ser atrelada à do empreendimento.

Fora isso, a divulgação indevida de dados estratégicos, segredos industriais ou informações pessoais de clientes agrava o problema, sujeitando a organização às sanções da LGPD e à reparação por perdas materiais e extrapatrimoniais. Como exemplo, em 2017 o ator Tom Holland revelou prematuramente, durante uma transmissão ao vivo, o primeiro cartaz de Vingadores: Guerra Infinita e, em outra ocasião, exibiu inadvertidamente o início de Thor: Ragnarok antes mesmo de sua estreia oficial.

De modo sucinto, o descumprimento de políticas internas de confidencialidade e de compliance pode gerar ainda indenizações contratuais, sem prejuízo de sanções disciplinares e danos reputacionais. Contudo, a responsabilização é mais complexa quando envolve o uso de veículos informativos como as redes sociais.

No âmbito administrativo, o descumprimento das regras trabalhistas – desvio de função e ausência de controle de jornada – costuma atrair fiscalização do Ministério do Trabalho e do MPT, resultando em termos de ajustamento de conduta, autuações e multas previstas no art. 634 da CLT. Cita-se, a título exemplificativo, a padaria Pão D’Oro II, que foi notificada pelo órgão ministerial após denúncia sindical sobre condições de exploração envolvendo a influenciadora digital “Vó Rosângela” (@rosangelaarigoni_), o que levou à suspensão de seu direito de gravar vídeos nas dependências do estabelecimento.

Outro ponto crítico é a dependência da empresa em relação à imagem do colaborador. Nesse ínterim, importante destacar que, caso ele se desligue ou migre para concorrente, leva consigo seguidores e engajamento, inviabilizando o aproveitamento do “capital social” criado. Da mesma forma, eventuais envolvimentos em polêmicas, como publicações ofensivas, posicionamentos políticos ou denúncias controversas, arrastam a marca para crises de reputação, exigindo planos de resposta rápida, assessoria de imprensa e, muitas vezes, reparação de danos à imagem institucional.

Para reduzir essas exposições e, principalmente, mitigar os riscos jurídicos decorrentes de postagens de colaboradores, faz-se fundamental um arcabouço sólido: aditivos contratuais que incluam a atividade de marketing como acessória, com previsão de remuneração adequada e cessão expressa de direitos de imagem e autorais;  implementação de política interna de redes sociais, definindo claramente escopo de atuação, limites de confidencialidade e regras de conduta; registro e controle de jornada que considere as horas dedicadas à criação de conteúdo, evitando passivos trabalhistas são algumas das medidas a serem tomadas.

Ainda, tem-se que as cláusulas de não-disparagement e confidencialidade são primordiais e reforçam a proteção de informações estratégicas. Um protocolo de gestão de crise, com equipe jurídica e de comunicação preparada, assegura resposta eficiente a eventuais polêmicas, preservando a reputação da marca, também precisa ser considerada. Assim, a empresa aproveita o engajamento orgânico sem se expor a litígios e sanções.